Não foi preciso muito para que algo aparentemente pequeno tocasse uma de suas feridas, pois eram muitas. A dor que sentiu foi suficiente para deixá-la verdadeiramente deprimida e fazê-la investigar a fundo o ferimento há muito causado na mente, no corpo, mas não na alma, embora desses difíceis de sarar. Não conscientemente, as palavras que vinham à cabeça quase sempre diziam a mesma coisa: não queria mais ser quem era. Na verdade, queria ser quem era e não quem estava sendo. Sentia pela primeira vez que não estava no lugar certo, com as pessoas certas, fazendo coisas que gostaria e se identificaria. Estava apenas vivendo sem perceber o passar dos dias. Nunca antes tinha pensado que talvez ali não fosse o seu lugar, sempre estivera tão bem no meio dos outros, mas algo mudou naquele tempo. Nunca antes tivera uma experiência de introspecção, de observação dos próprios pensamentos, sentimentos, ações. Doía muito pensar no que sentia. Eram tantos medos, dores e fomes. Nada muito concreto, não saberia dizer exatamente o que estava errado, quais eram suas necessidades. Chorava como uma criança, soluçava, gritava. Neste momento também não havia idéias plenas, só sentia que precisava daquilo, para libertar-se, sentir-se leve. E as lágrimas deixavam o corpo levando consigo os pensamentos absolutos, as idéias prontas, os conceitos formados, aqueles mesmos que já não faziam sentido para alguém como ela, que experimentara da mais pura essência de si mesma. Depois viria a calmaria, a mente limpa conseguiria achar explicações, fundamentos para aquilo tudo que viria a ser a partir dali. Novos conceitos de personalidade, de amor, de perspectiva. Pensaria por ela mesma o que significa ter uma vida boa, um amor verdadeiro, pensaria na ética e nos valores morais. E seguiria, porque agora sim: seria ela.
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