sábado, 13 de fevereiro de 2010

Início das transformações.

Não foi preciso muito para que algo aparentemente pequeno tocasse uma de suas feridas, pois eram muitas. A dor que sentiu foi suficiente para deixá-la verdadeiramente deprimida e fazê-la investigar a fundo o ferimento há muito causado na mente, no corpo, mas não na alma, embora desses difíceis de sarar. Não conscientemente, as palavras que vinham à cabeça quase sempre diziam a mesma coisa: não queria mais ser quem era. Na verdade, queria ser quem era e não quem estava sendo.  Sentia pela primeira vez que não estava no lugar certo, com as pessoas certas, fazendo coisas que gostaria e se identificaria. Estava apenas vivendo sem perceber o passar dos dias.  Nunca antes tinha pensado que talvez ali não fosse o seu lugar, sempre estivera tão bem no meio dos outros, mas algo mudou naquele tempo. Nunca antes tivera uma experiência de introspecção, de observação dos próprios pensamentos, sentimentos, ações. Doía muito pensar no que sentia. Eram tantos medos, dores e fomes. Nada muito concreto, não saberia dizer exatamente o que estava errado, quais eram suas necessidades. Chorava como uma criança, soluçava, gritava. Neste momento também não havia idéias plenas, só sentia que precisava daquilo, para libertar-se, sentir-se leve. E as lágrimas deixavam o corpo levando consigo os pensamentos absolutos, as idéias prontas, os conceitos formados, aqueles mesmos que já não faziam sentido para alguém como ela, que experimentara da mais pura essência de si mesma. Depois viria a calmaria, a mente limpa conseguiria achar explicações, fundamentos para aquilo tudo que viria a ser a partir dali. Novos conceitos de personalidade, de amor, de perspectiva. Pensaria por ela mesma o que significa ter uma vida boa, um amor verdadeiro, pensaria na ética e nos valores morais. E seguiria, porque agora sim: seria ela.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O peso de uma relação morta.

Minha mente tenha lembrar do que há muito, pedi à ela que esquecesse. Queria lembrar não por saudade, mas para esclarecer e então esquecer. Lances escuros e confusos de algo que não sei o que foi. Mãos, palavras, pesadelos. Explicações sem fundamento para algo que não deveria ter explicação pelo simples fato de que nunca devesse acontecer. Tratamos daquilo como se tivesse sido só mais uma crise da relação. Mas eu sempre soube que de nada adianta insistir e tentar salvar algo que  não existe, que morreu. Se existiu, durou pouco e os laços formados foram fracos demais para resistir ao tempo, à distância e às diferenças. Éramos pessoas tão diferentes. E nem sequer respeitávamos um a natureza do outro. Nem ao menos nos conhecíamos a fundo, e confiamos um no outro, dissemos que nos amávamos. Eu já tinha sentido dores menores por causa disso, mas achava que esta relação valia à pena, estava determinada não por mim, mas por seres superiores, e até hoje acredito, apesar de tudo. Mas então no meio de tantas outras coisas. Não tive coragem de contar para quase ninguém, porque não saberia falar de algo que não sei ter sido verdade ou não. Certeza que não imaginei! Mas prefiro acreditar ter sido pesadelo, que passou. Dizem que são más as coisas que devem ser escondidas. Na época quis gritar, chorar, morrer. Mas nem  sei  se foi tão grave assim, e facilmente me livraria de outra situação como aquela, se houvesse. Mas não houve outra oportunidade infeliz daquelas, ainda bem. O que havia vezenquando eram recados malcriados dizendo você-não-liga-mais-pra-mim e depois-de-tudo-que-eu-fiz-por-você. Parecia que tinha esquecido do que fez, porque prometemos que esqueceríamos, mas eu não esqueci. Nos vimos depois daquilo e nenhum de nós tocamos no assunto, deve ter achado que eu esqueci e esta reaproximação funcionava como um perdão ou consentimento, que eu nunca queria ter dado. Porque posso ter parado de pensar naquilo por um tempo, mas não esqueci. Já passou tanto tempo. E se nunca rompi o silêncio, porque agora? Talvez nem acreditem em mim. Não quero. Mas não quero também sustentar o peso de uma relação morta, de tantos anos de decepção e cobranças, de tristezas, e o que infelizmente eu terei que levar comigo para sempre, um sempre mortal. Porque é impossível que eu me livre desta relação, ainda que morta, porque sempre insiste em tentar renascer. E  isto perturba tanto. Há um certo tipo de amor, mas um amor pisado, machucado, que não quero ter que viver, nunca mais. E isto também dói.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sonhos e poesia matam.

Deixe-a ir, está cansada dessa vida. Não está triste nem nada, só cansada. Os dias, as cores, os amores de que falavam os poetas, no seu mundo não existem, nunca existiram. Se há algo de felicidade é a sensação de na hora do sono ter a mente invadida por sonhos, belezas imaginárias, momentânea satisfação. A realidade dissipa num instante a atmosfera enganadora, que a faz ter esperança todas as noites, mas que sempre traz decepção por saber-se tola de acreditar, como criança, em sonhos. Antes do céu estar claro ou se ouvir o canto dos primeiros pássaros, a vida já acaba com a esperança criada durante aquele curto momento noturno. É preciso viver a realidade, dura, triste, feia. O corpo cansado parece prender a mente, que em nada mais consegue pensar além de querer livrar-se, voar como pássaro, borboleta, para bem longe, para lugares que só vira em sonhos. Não quer mais contentar-se a experimentar desta felicidade efêmera. Todas as noites enchendo-se de fé de ter algo belo na própria vida e desilusão ao deitar-se novamente, depois de um dia sem nenhuma semalhança com o que esperava, para deixar-se encher de outras mais emoções falsas. Não quer mais isto. Quer deixar esta vida. Deixe-a ir, deixe-a morrer, talvez a luz radiante seja melhor sonho para confortar-lhe o peito antes de em nova vida vir a decepcionar-se novamente, até que perceba a própria incapacidade de ver como os poetas, e então finalmente, veja alguma beleza: não nos sonhos desta vez, mas no seu próprio mundo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Primeiro fragmento sobre a vida.

Semente na terra à noite germina.
É a vida que insiste em nascer antes do Sol.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Atmosfera lilás, 1970, incenso, meia-luz e rock.

Totalmente sozinha no meio de gentes desinteressantes. Tão bonita nessa meia-luz que deixa bonita também a fumaça do cigarro que acende e que calmamente leva aos lábios nus. Na vitrola, o disco dos Beatles parece tocar aquela música repetidas vezes especificamente para ela. Sentada assim quase no chão, não fosse pela almofada naturalmente longe das outras, as pernas em posições tão aleatórias e harmonicamente colocadas dobradas, as mãos repousadas, o cigarro em uma delas já acumula a cinza do tempo que foi deixado de lado, muito magra, as calças jeans desbotadas, a blusa de um brechó qualquer, tudo contribui para que seja de todos a mais instigante, depressiva. E atraente. O olhar indecifrável, aos de fora não diz nada: olha para dentro. Tão bonita e triste. Uma atmosfera só dela. Não euforica e falsamente feliz como os outros. Calada, grita pedindo que alguém a salve. Mas não será salva, sabe. E como fosse a última esperança da noite de se ver salva e então livre de si mesma, toma de uma vez o que será  suficiente para estar longe dali até o fim das horas da madrugada e da manhã seguintes. A falsa sensação de liberdade vem depressa. O corpo relaxado esparrama-se agora no chão, um esboço do que seria um sorriso, o olhar não mais para dentro, agora para o mundo que se abre à sua frente, o único ao qual tem pertencido, faz tempo.

"I want you, I want you so bad. I want you, I want you so bad. It's driving me mad, it's driving me mad. She's so heavy, heavy, heavy." The Beatles

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ela quer ser perfeita.

Ela é uma pessoa que tem tudo pra ser feliz, e até é. Embora não seja a melhor das pessoas, tenta se modificar para ser cada vez melhor, ou pelo menos, diz que tenta. Quer ser mais paciente, madura, calma, consciente, interessante, mas sempre se pega gritando, chorando, reclamando, falando coisas das quais se arrepende e tendo ataques de ódio. Ainda falta muito mas está conseguindo aos poucos. Talvez ioga, noites de sono, plantinhas, chás, meditação, teatro, amor, animais, espiritismo, pessoas, livros, pudessem ajudar. Mas a verdadeira mudança sempre virá de dentro dela, não dos outros ou das coisas. É preciso mudar a si mesma, ela sabe. E está tentando.


"Você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off." Caio F.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Que me livre da concha.

Minha concha anda abalada. Tem sido abalada diariamente por aqueles olhares, aqueles pensamentos, aqueles desejos, por você. Contra ela tenho lutado. Minha sede tem sido maior, quase insaciável: sede de vida. Meu mundo, que por vezes se comprimiu agora se dilata, expande, como se eu descobrisse novamente quem eu era, antes de ter estes seus limites ao meu redor impedindo que eu crescesse, pensasse, caminhasse por mim. Mesmo que a minha visão ainda esteja turva consigo enxergar além, de dentro, por aqui. Agora, para gozar de tudo que sinto ser e querer, estou pronta para sair e com você aprender a amar, a ser, a acreditar, a mudar, a fazer e a todos os outros verbos que deixam as nossas vidas tão completas.


"Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão." Caio F.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Escrever, crescer.

Senti um impulso esses dias, senti que deveria começar a escrever. Para mim. Como meio de autoconhecimento. Sempre soube que comigo as coisas funcionam assim: eu aprendo muito de mim quando falo. Talvez eu nem volte a ler coisas que há muito tenha escrito aqui, mas já terá me servido muito o fato de ter parado para escrever, qualquer coisa, o que der vontade. Preciso de momentos mais meus, de reflexão. Porque se você não está satisfeito com o que é, tem que mudar, e não “é só querer”. É difícil, é um exercício constante de investigação pessoal. O que eu ando pensando, sentindo, necessitando? Como tenho agido? Os exercícios que no teatro me ajudavam a enxergar no meu íntimo aquelas dor e fome, me faziam bagunçar os pensamentos e questionar todas as coisas, parei de praticar. O que naquele tempo aprendi, durante apenas um ano, foi mais valioso do que talvez grande parte do conhecimento adquirido em todos os anos anteriores na minha vida. Só eu sei o quanto mudei, o quanto cresci. Não adianta conhecer as coisas sem conhecer a mim. Se fosse preciso, talvez eu não conseguisse dizer ao certo o que naquele tempo mudou em mim. Qual parte de mim despertou e qual deixou de existir. Mas o exercício do pensar, embora não traga respostas concretas, traz mudança. Acho que naquela época, com a prática de algum tipo inexato de autoconhecimento, eu não reparei o quanto mudava, só hoje posso perceber a grandeza disso tudo. Por isso, escrevo. Na esperança de conseguir entrar em contato com aquilo que eu sou outra vez. Mudar sempre e para melhor. Destruir todas as definições que o mundo me deu prontas, para construir novamente, com calma e coerência, conceitos que façam sentido para mim e para minha vida. Pois quero aproveitar ao máximo o tempo que tenho nessa vida para aprender, me modificar, crescer. Afinal é para isso que estou aqui. Enfim, espero com estas reflexões, conseguir organizar meus pensamentos, e me tornar uma pessoa mais consciente de mim mesma... e melhor.


"Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta." Caio F.

"Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo" Clarice Lispector