Nem vi o céu de estrelas, que depois de quarenta dias foi que o tempo decidiu chover e cobrir o brilho que eu pretendia ver. Os dias curtos, sol chegando quando já passa das oito e nem se vê direito, que antes das seis já se foi. Queria dizer também: clareia de vez. Onde está a luz que eu preciso? Falsa promessa de me alumiar. A lua também coberta, crescente como na última vez, mas hoje não vejo. E olhando pra cima, há tanta saudade no peito: da família da roça, das raízes do norte, do calor dos abraços. Da família, da roça, das raízes, do norte, do calor, dos abraços. E aqui-agora me veio uma lembrança dum quê de simples e de bom, de algo que eu não via, mas que tava era dentro de mim mesmo. Como é que a gente passa a vida inteira sem saber dizer o que é importante? Sem saber do valor das coisas que sempre estiveram ao nosso redor, é música, é gesto, é sentimento. Sem sentir que pertence a um lugar, e que dele você se afasta devagar, cada dia mais, ao passo que ele deixa de existir. Se você sentisse, saberia que ali você pretendia ficar. E você fica sem sentir tudo, sem sentir, nada. E quer acreditar que as coisas sempre estiveram no seu lugar. Mas o tempo passa, e o que sempre a gente teve, a gente não vai ter pra sempre. É que o mundo hoje tenta me levar pr'outro lugar, tentam dizer como vai ser até o fim. Percebo, agora, que eu não preciso disso. Tentar lembrar, pensar no que mudou. Se mudo em ato, sem pensamento, quero que em tudo, dê pra voltar. Voltar pro que eu sabia ser, porque sentia, sem saber. Como se esquece assim do seu próprio ser? Mesmo sem luz, o aqui-agora me lembrou de um dia que eu sentia, que eu sabia, que era bom viver.