Fica horas inteiras sem entediar-se olhando plantas bem cuidadas, cenários de suas histórias. Vê tartarugas desnutridas, formigas mortas e caracóis perdidos e chora, porque tudo parece tão triste, o sofrimento daquela criatura esfomeada é dela, que esquecera de alimentar o animal. As flores amarelas caídas na calçada dão um ar de graça, aqui o tempo passa muito devagar. Os gatos esparramados e preguiçosos, ela ri, ama aquelas criaturas. O Sol das dez da manhã queima de leve o corpo desajeitado e quase nú, e cega os olhos que ela aperta bem até chegar à buganville crescida entre o muro e a garagem, onde pode enxergar tudo muito bem, à sombra devassada por apenas uns raios luminosos, que com os braços estendidos pintam a pele de bolinhas. Quando olha assim pra cima, o teto de flores cor-de-rosa é coisa mais linda que já viu, sente coisas que não conseguiria explicar nem depois de muitos anos, quando isto seria apenas mais uma lembrança confusa, não sabendo se realidade, sonho, imaginação. Fato é que agora, ela sente que está mais próxima do azul muito alto do céu, os feixes de luz que chegam até seu corpo por entre pétalas e folhas a deixam leve, como se dormisse, mas está acordada e muito sã. Então levanta devagar os braços, não sabe por que, mas sente o ar que envolve o seu corpo, parece muito pesado, acha engraçado, mas não ri. Sente que pode tirar do chão também as pernas, uma depois a outra. Não entende se seus movimentos é que estão lentos, se o tempo está passando mais devagar ou o peso da matéria ou qualquer outra grandeza das leis da física que mudou ao seu redor, mas sabe que muito lentamente agora, sues pés não tocam o chão e os braços esticados equilibram o pequeno corpo, que flutua. Os raios de Sol envolvem todo o seu entorno e parecem poder penetrar a pele, porque se sente quente por dentro, adrenalina contida de criança, sorri, calma, sente o éter. Paira um pouco sobre o ar, sente-se leve sob este mar de atmosferas sobrepostas onde tudo é devagar. E parece que tudo é sonho, talvez por isto as dúvidas posteriores. A mistura do pensar e do agir, a imaginação e a realidade indissociáveis mais. A loucura, a leveza: presentes para sempre, até os dias de agora.
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