terça-feira, 5 de outubro de 2010

Último degrau, última gota.

À noite nada mais importará, que terei de contar à todos que o teu sangue pingou e escorreu na escada, vazou até a última gota, saiu da artéria e da mão que cortou o pulso - que como tentativa desesperada tentou também contra si mesma, apertando com as últimas forças de coragem a lâmina, sabendo que assim talvez a vida te deixasse logo, que a tua alma já era tão antes ferida. Mas o corpo foi que pingou, num ritmo constante lento. Devagar suficiente pra que tu visses a vida se esvaindo, o sopro deixando o corpo e sentisse até certo arrependimento, mas uma sensação de alívio pela coisa planejada e então cumprida, pelo menos uma vez na vida, quem sabe aprende e pratica talvez também outra vez na morte. Teu sangue pingou poças nos degraus de cima, que vermelhamente bonitas densas tornavam-se muito grandes para os vinte e oito centímetros de piso e tinham ânsia de descer, esperando pela próxima gota que mesmo depois de expulsa e morta continuava promovendo movimento, um movimento puramente físico explicado pela energia não mais vital e sim cinética & mecânica, sem energia nenhuma da coisa que é bela, da coisa é que viva. Vem o pingo que num segundo faz na superfície vermelha e densa suas ondas e leva toda a poça a descer por um fio até o degrau de baixo e depois o próximo e o outro, o declínio do próprio ser depois da vida, que desceu lavando toda a tua casa abaixo, junto com a teu sangue morto, e tua vida pouca que ainda precisa pulsar um tanto mais pra expulsar o que nela ainda há de si e que se diz insuportável, insustentável mais, pras pernas cansadas que desejavam repouso, pra face forçada e rosada que esperava ser pálida e pro coração, que há muito parou de bater direito. As últimas gotas, não fazem diferença mais, a vida morta já chegou no último degrau, desceu depressa de você no alto do lugar, pária vida, desprezada, agora deixa a vida de si, serás nada, serás passado só, serás morta, enfim os dias nunca mais chegando de manhã com o Sol e inconvenientes vindo bater à tua porta.

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